sábado, 17 de outubro de 2015

Essa eterna infância que enternece



Infância é onde a história começa

 e, sem pressa, parece não ter fim,

mais do que de não, feita de sim.

É aquele tempo sem tempo, eterno,

que enternece e fica dentro, centelha,

reacendendo quanto mais se envelhece.

Quando a alma percebe o tanto que espelha

a menina e o menino do início do caminho,

e se ainda há vida que vibra e amanhece

com antigos sonhos sob nova esperança,

adulto e criança viram uma só estrela

a luzir no céu do que significa existir.

 

(Centelha, poema de minha autoria)

Bom seria se todos tivessem lindas lembranças dos tempos de infância, que influenciam a vida inteira. Tenho as minhas, incontáveis como cenas de um filme bom, mas meus diálogos e frases perderam-se ao vento. Por isso, para eternizar a intrépida alegria que tem marcado os primeiros anos de meus filhos, venho registrando algumas histórias mirabolantes, perguntas curiosas e tiradas inusitadas que transbordam de suas cabecinhas. São momentos de pureza e doçura que vivencio, enquanto cresço e volto um pouco a ser criança.
     Hoje quero falar de meu caçula, nome e jeito de anjo travesso. Galanteador desde bebê, é capaz de sorrisos marotos, piscadas de olho, declarações de amor e elogios para conseguir algo, se desculpar ou, simplesmente, expressar seus sentimentos. Como numa inesquecível tarde solar, quando ele, aos quatro anos, a irmã, eu e o pai estávamos a caminho do cinema. Ao me ver mais maquiada e arrumada do que de costume, meu menino exclamou faceiro. com um sorriso desses de alargar a vida:
     - Mamãe, eu quero te falar uma coisa: você é... uma jarra de mulher bonita!!!

Fiquei comovida e impressionada com a espontânea metáfora criada por Gabriel. Jarra, provavelmente, lhe fez lembrar flores. Aos seus olhos, eu era mais do que uma mulher bonita. Era um buquê de muitas! Fiquei nas nuvens, não pelo elogio apaixonado e por sua habilidade com a linguagem. Ganhei para sempre aquele dia e uma nova história para lembrar sobre as minhas crianças.
     Três dias depois, ao buscar meu pequeno no colégio, de novo suas ingênuas palavras me surpreenderam. Desta vez, entretanto, ouvi dele uma constatação sincera, revelação nua e crua que até então ninguém havia feito a meu respeito (a não ser eu mesma, frente ao espelho). Sério e sereno, mão ao queixo, refastelado em sua cadeirinha como observador atento dos fatos, me avisou:
     - Mamãe, você tá ficando velhinha, hem!
    - Por que você acha isso, filho?-, quis saber ansiosa, do alto dos meus 42 anos, olhando para ele pelo retrovisor enquanto tirava o carro da vaga e mirava as raízes brancas nos cabelos com tinta já vencendo, ruguinhas e olheiras denunciando noites mal dormidas (muitas vezes porque ele me acordava, assustado com pesadelos...) ou outra pista dos anos.
     - É por causa dessas coisas gordinhas e azuis em cima das suas mãos -, ele disse.
    Parei e olhei para as minhas mãos postas no volante. Veias azuladas e proeminentes sobressaíam delas, claras marcas da genética e da idade também presentes em meu pai e minha mãe. Foi certamente nos avós, já bem idosos, que meu anjo passou a enxergá-las como sinônimo de velhice. E agora eu estava ali, dando risada sem qualquer crise de idade, “velhinha” apenas 72 horas depois de ser “uma jarra de mulher bonita”.  Como ele mesmo sempre dizia à época, para tudo que achasse natural, “a vida é assim!”.
    Em preciosos minutos expliquei a meu filhote que sim, eu estava envelhecendo, o tempo havia passado e continuaria a avançar... como acontece com todos.  Ainda não era uma ´velhinha`, lhe garanti, mas desejava muito ser um dia para vê-lo crescer, se transformar em homem e ficar ao seu lado o maior número possível de anos.  Acariciei uma de suas mãozinhas – pele lisa como seda – e voltei as minhas ao volante, pois tinha que buscar minha outra amada criança na próxima escola.
     Muitas palavras e histórias encantadas me aguardavam pelo tempo afora. E se minhas veias das mãos dilatassem ainda mais, que fosse assim. Importantes serão o sangue, a vida e o amor pulsando nelas até o fim. Eternamente.


Texto:Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay

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