sábado, 31 de outubro de 2015
Com todo o respeito, o medo
sábado, 24 de outubro de 2015
Choro, chuva que lava e alivia
Nascemos chorando, pela saída
do útero, pela luz revelada, por ganharmos a vida. Em nossos primeiros anos,
chorar era a melhor forma de revelar e conhecer nossas emoções. Mas envelhecemos
valorizando somente o riso na busca pela felicidade, sem nos darmos conta de como
o choro é essencial. Por dor e tristeza, alegria e beleza.
Como chuva torrencial de verão, que chega para lavar
a alma e aliviar o peito, chorar pode retirar de nossos ombros um peso injusto que
carregamos sem saber o porquê. Feito milagres ou conquistas do tempo, pensamentos
clareiam espessas nuvens de sentimentos e o choro – como água redentora do céu
– termina por dissipá-las. Assim escoam-se culpas, mágoas e desilusões.
Por um sofrimento, um revés ou um enternecimento
de vivências e lembranças, chorar não nos faz fracos. Ao contrário, pode nos
fortalecer ao nos tornar íntimos de nós, nossos melhores acalentadores. Mesmo solitário,
sobre o travesseiro ou sob o chuveiro, o choro nos deixa aceitar o que passou e
entender o que ficou, para aguardarmos o que virá com o espírito desanuviado.
Choros são mares tranquilos ou revoltos em que navegamos.
Às vezes podem vir em tsunamis avassaladores, transbordando em olhos já cegos por
desespero ou desesperança. Nesse caso, é preciso ter cuidado, pois somente pedir
resgate ou agarrar-se a algo sólido fará emergir, voltar à terra firme e sobreviver
ao naufrágio.
Penso que ficamos mais propensos às lágrimas
comovidas na maturidade. Os anos parecem nos fragilizar diante da finitude da
vida, mas no fundo alargam a nossa sensibilidade e o nosso sexto sentido em
relação ao que verdadeiramente nos toca e nos choca no mundo. Talvez porque
estejamos mais perto de Deus.
Sempre fui ´chorona`, apesar de adorar dar boas
gargalhadas. Jovem, chorei por medos, decepções e tolas inseguranças. Depois passaram
a ser as perdas, os hormônios ou os sentimentos caros a desaguar. Várias lágrimas
já brotaram enquanto eu escrevia (ironicamente não esta crônica). Foram gotas
serenas, emocionadas, como as de esperados reencontros.
Choramos por amor, solidão, conquistas, perdas... Choramos com os nascimentos dos filhos, com as mortes de pessoas queridas, nas chegadas e partidas. Se os olhos brilham úmidos, por que travar a emoção e deixá-los secos, turvos? O choro é a expressão da dor de viver, mas também de seu mistério e encanto. Como o orvalho nas flores, os pingos de chuva em janelas ou a tempestade de raios que assusta e depois refresca, limpando o céu e trazendo de surpresa um lindo arco-íris.
Texto e fotos: Nadja Bereicoa
sábado, 17 de outubro de 2015
Essa eterna infância que enternece
Infância é onde a
história começa
e, sem pressa, parece
não ter fim,
mais do que de não,
feita de sim.
É aquele tempo sem
tempo, eterno,
que enternece e fica dentro,
centelha,
reacendendo quanto
mais se envelhece.
Quando a alma percebe
o tanto que espelha
a menina e o menino do
início do caminho,
e se ainda há vida que vibra
e amanhece
com antigos sonhos sob
nova esperança,
adulto e criança viram
uma só estrela
a luzir no céu do que significa existir.
Muitas palavras e histórias encantadas me aguardavam pelo tempo afora. E se minhas veias das mãos dilatassem ainda mais, que fosse assim. Importantes serão o sangue, a vida e o amor pulsando nelas até o fim. Eternamente.
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Meu pai em patchwork
Meu pai partiu aos 91 anos, cedo para quem brincava com o trocadilho de que chegaria aos cem, “mesmo sem ouvir, sem enxergar, sem falar". Foram três anos de prostração sobre sua cama, ao final quase sem os sentidos, devido ao acúmulo de doenças senis. Talvez um preparo espiritual para um agnóstico como ele, talvez um purificador ajuste de contas, talvez por que temesse e postergasse a morte... Certo é que não havia mais vestígio do pai presente, do eloquente contador de causos, do ético Procurador de Justiça, do admirado mestre universitário. Ou de todos que ele foi.
Preferi guardar aquele pai divertido, companheiro e carinhoso que me levava a cinemas, parques e lanchonetes, que fazia cabaninhas com lençol, teatros de sombras na parede e que cantava e contava histórias na hora de dormir. Aquele que adorava comprar enciclopédias, livros, fotonovelas e gibis para incentivar a leitura em casa e que tinha sempre vozes e piadas divertidas, palavras inventadas, estridentes assobios, espirros e gargalhadas. Era capaz de se jogar no chão e espernear de tanto rir, numa performance de artista circense.
Meu pai era a criança grande que farreava comigo na piscina do clube e, na praia, me ensinou a pegar jacaré nas ondas do mar e a construir castelos, catar tatuís e empanar e rolar o corpo na areia, se deixando ser feliz. E era trivial a sua noção de felicidade: comida farta e saborosa, se possível dobradinha ou rabada, petiscos e uma bebida para relaxar (a cerveja com bastante colarinho e não muito gelada...) e a companhia de minha mãe e seus sete filhos, além de uma prosa com os amigos. Ah, como tinha amigos esse festeiro assumido, sempre às voltas com confraternizações.
Escolhi eternizar meu pai no criminalista amante das leis, da doutrina jurídica e do poder de argumentação das palavras que, com igual senso de Justiça, conseguia prender pessoas mas livrar outras (até dos sinistros porões da ditadura militar), assim como no professor querido, merecedor de várias placas de patrono e paraninfo das turmas em que lecionou. Em casa, ensinava aos filhos a perseguir com esforço e estudo suas metas e que honestidade e princípios eram os maiores bens de nossas vidas.