sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Saudade





Saudade é sempre bonita:
triste, alegre, amena, doída.
Vem como fisgada no peito,
risada gostosa, lágrima furtiva...

Saudade é ferida que sangra
mesmo quando cicatriza
e marca os ciclos da vida,
mudança, perda e partida.

Saudade é lembrança boa
de um momento, de pessoa,
do que fomos, de um jeito,
de mania e até de defeito.

Saudade é breve ou eterna
de quem está longe, morreu,
mudou por fora, por dentro
ou simplesmente cresceu.

Saudade é ausência que arde
na medida do quanto se ama
e clama em nós por resgate,
 reparo, reencontro, retomada.

Saudade é vazio imenso, denso,
para preencher com caminhada.


                                                                    Poema e foto: Nadja Bereicoa

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Novos caminhos em outra conexão



     Logo após o meu aniversário, me presenteio com este blog para compartilhar minhas crônicas, poesias e outras histórias.  Mais do que divulgar minha produção, o que comecei a fazer no final de 2014 ao publicar meu primeiro livro  (Entre Tantos - poemas e poesias), resolvi me dar de presente a coragem de me expor e me conhecer a fundo, desatando nós e desembrulhando íntimos sentimentos, memórias e impressões. Em Outra Conexão representa a fase de reflexão que atravesso e uma pausa no ritmo frenético a que estamos conectados pela tecnologia. 
     O blog consolida um forte ciclo de mudanças soprado por 2015, que começou difícil mas desafiador para mim.  Janeiro veio radiante de sol e calor e também com neblina e frio, ruptura e recomeço, conquistas e perdas.  Após celebrar o aniversário de dez anos de minha filha - marcando sua nítida passagem para a adolescência e minha primeira década de maternidade - fui morar em outro país devido ao trabalho de meu marido.  Seguimos com nossos dois filhos rumo a um futuro que não bateria à nossa porta outra vez: já prenunciado por grandes aprendizados. Na bagagem, expectativas, euforia e fé misturavam-se a dúvidas, tristeza e despedidas temporárias e definitivas.
     Minha primeira dolorosa perda aconteceu uma semana após chegarmos na tranquila e gélida cidade de Katy, no Texas: meu pai também partiu, mas para outra, misteriosa e eterna viagem que todos faremos.  Acamado por doenças neurológicas, ele preparou-se em três anos de sofrimento, apego e aceitação até sua final redenção, aos 91 anos.  Ao me despedir dele dias antes de entrar em um avião, enquanto acariciava seus cabelos e beijava seu rosto, sussurrei ao seu ouvido que deixasse sua alma suavemente vivenciar novas experiências. Segurei forte a sua mão, como ele fazia comigo, agradeci por ter sido um pai tão marcante e lhe pedi que não temesse nada. Saí chorando a certeza de que não o veria mais nesta existência.
     Esse derradeiro e inesquecível encontro foi o que me sustentou quando recebi a notícia de sua morte por telefone, com um oceano a separar minhas lágrimas do seu corpo a ser sepultado.  Meu luto à distância foi um divisor de águas, longo e solitário funeral em que desenterrei fortes dores e doces lembranças, reencontrando meu pai e minha mãe, falecida há dois anos, para guardá-los vivos em mim. Resgatei a criança que fui de um sentimento de orfandade aberto como cratera sob seus pés, deixando-a como feto. Sem pais, sem lar, sem país... Nunca mais filha, mas intensamente mãe, eu a abracei, a confortei e a levantei para juntas enfrentarmos um rigoroso inverno e o medo, lembrando-lhe que outras duas crianças nos esperavam.
     Para dar conta de tanta ausência, estranhamento e de uma imensa vontade de voltar a ser feliz, precisei viver minha tristeza, literalmente me desconectando para me religar comigo mesma. Sem redes sociais por meses no novo celular, apenas submersa no voo das aves e no silêncio das folhas de minha pacata vizinhança, voltei a escrever e a pensar como há muito não fazia. Imagens e palavras encaixavam-se como quebra-cabeças na minha mente, mesmo quando me entretinha nas múltiplas providências inerentes à adaptação.  Eu era duplamente estrangeira, precisando localizar-me em novas terras e no meu universo particular, tão voltado para o passado mas repleto de presente e escancarado para cada amanhã. Tinha que seguir
     Não poderia ser mais simbólico o longo trajeto a pé que fiz durante um mês e meio para buscar meus filhos na escola.  Sob um frio entre 0 e 4 graus, eu andava lentamente por quase meia hora contra um vento cortante que me empurrava para trás. Envergava-me à frente, fazendo força para superar a natureza daqueles dias.  E superava, ainda que congelando por fora e por dentro. Na maior, mais arborizada e deserta rua que percorria, a solidão ecoava em mim na medida dos meus passos, que venciam a calçada sombreada pelo rendado das copas como se desbravassem o mundo. A fotografia dessa linda rua, essência de uma frondosa caminhada, jamais sairá da minha retina.
     A travessia de regresso com meus filhos era na mão dos ventos, o que nos impulsionava ainda mais para chegarmos na nossa vazia e quente casa que transformávamos em lar. Nunca foi tão claro como a vida é feita de diferentes caminhos, às vezes somente de ida, outros também de volta; alguns mais difíceis, nem sempre extensos; outros mais fáceis, não necessariamente curtos. Contínuos, bifurcados ou entrecruzados, todos nos guiam para possíveis destinos a depender de nossas certezas, escolhas e disposição.  Se um dia atravessamos avenidas tortuosas, áridas e cheias de percalços e concreto, adiante podemos percorrer ruas de suaves curvas, frescas e repletas de atalhos e jardins. 
     Tenho aprendido com a distância e as estações tão definidas do meu novo hemisfério. O tempo, sábio mestre, desfolha, escurece e esfria, mas também floresce, colore e aquece, bastando deixarmos que ele nos ensine a ver a vida sob o prisma certo. E a mudarmos, quando necessário. Meu inverno desértico cedeu lugar à primavera esplendorosa e ao tórrido verão dos dias atuais, quando o outono já se anuncia para que outro ciclo comece. Meus recentes caminhos me reconduziram ao mesmo antigo destino de escrever, dando sentido à celebração de minha nova idade e à criação do blog.  Afinal, mais do que passagens de anos visíveis em cabelos e pele, carne e ossos, aniversários devem marcar transformações dentro de nós.  Em outra conexão.



Texto e fotos: Nadja Bereicoa