segunda-feira, 20 de março de 2017

Deixe o outono te desfolhar



O verão mal terminou e já se sente a temperatura amena e um mistério no ar. Que março carregue em suas águas o que não tem razão de ficar e deixe cair nas calçadas as primeiras folhas do outono de quem quiser recomeçar. A gente se mostrou, dourou a pele, ardeu em brasa e não pensou em nada, porque o calor não deixava. Mas agora, preste atenção: é tempo de transição. Ventos fortes começam a soprar...

Vá com calma, escute a sua intuição e o que os ventos lhe dizem. Veja para onde correm e não necessariamente siga as suas direções. Você pode se deixar levar, tomar impulso até o meio do caminho e então seguir sozinho.  Ou contrariar seus rumos e andar na contramão de tudo - dos outros e da própria razão -, fazendo de bússola o seu coração. Se ele vibrar forte, dê uma chance à sorte e vai ser feliz!

Mas não se esqueça de pensar, porque sempre precisamos analisar o que fizemos ou não, para poder de novo sonhar. Aproveite que o tempo é de desfolhar e mude, se desnude, troque de pele se preciso for. Limpe, esfolie, remova as células mortas e as impurezas que se acumularam nos últimos tempos. Renove-se e, acredite, você renascerá.

Olhe-se no espelho da alma e veja o que não deu certo, do que se arrependeu ou porque se machucou. Será que você tentou todas as possibilidades de crescer e de ser feliz? Inventou, misturou, arriscou, insistiu? A felicidade não tem fórmula, mas a vida oferece ingredientes e temperos saudáveis, infindáveis, para criarmos novas receitas, a cada dia. Experimente, para aguçar o paladar. 

Regra básica para não desandar uma receita é descartar o que lhe faz mal ou cuja validade venceu. Do contrário, azedará, estragará, envenenará tudo o que você tocar.  Se magoou ou traiu alguém e isso lhe doeu, arrependa-se e peça desculpas - se não pessoalmente, ao menos ore com fé ou mentalize a melhor energia que puder, e isso se canalizará para selar o bem entre vocês.

Já se você foi magoado, apunhalado, eu lhe entendo bem e digo o quanto é necessário se recolher, deixar sangrar até a última gota. Mas uma hora, pra não adoecer, é preciso dar um basta, parar de purgar a mágoa e se vitimizar. Apenas assim você vai cicatrizar e ir adiante, com ou sem quem lhe feriu. O perdão lhe ajudará. Mais do que amor ao próximo, significará o seu amor-próprio.

Comece perdoando a si mesmo, se fracassou, mentiu, se omitiu, desistiu ou nem tentou. Depois pese o que lhe fala alto no momento: amor, saúde, amizade, sucesso, paz, sexo, dinheiro...?! Talvez você queira um mix de tudo, bem dosado pra equilibrar a balança e o juízo. Talvez você precise mais de um deles, para compensar que esteve muito tempo em falta. 

O importante é não deixar erros se repetirem e expurgar o que estiver secando, apodrecendo, morrendo, pra nascer sua melhor versão. Se entregue ao outono, se desapegue e deixe que ele leve o que se completou, o que não serve mais ou o que foi efêmero e não agregue. Além de momentos lindos para lembrar, ficará o que você queria esquecer porque doeu fundo e, por isso, lhe fez crescer. Mas o antigo sofrimento haverá partido e outras histórias terão chegado.

O outono cobrirá os novos caminhos com folhas de vários feitios e tons – verdes e também ocres, amarelas, vermelhas e marrons –, desnudando as árvores e a nossa sensibilidade.  Que ele seja bem-vindo e nos inspire com sua mágica capacidade de transformação, mirando em outras estações.



Texto: Nadja Bereicoa

Imagem: Pixabay

 

 



sexta-feira, 17 de março de 2017

Mulheres, do jeito que quiserem

     

Passei o Dia Internacional da Mulher com TPM, uma forte enxaqueca, uma cólica de causar contorcionismo e o humor entre depressivo e irritado. Após meus filhos saíram pra escola, tomei um remédio e dormi a manhã inteira, ignorando a data. Quando acordei, uma tempestade de parabéns, rosas, galãs embrulhados para presente e palavras melosas ou de luta enalteciam as mulheres no celular e na TV. Achei tudo fora do tom e não me identifiquei com nada.

De um lado, o discurso feminista de empoderamento e contra o chavão ´bela, recatada e do lar` nos retratando como mulheres-maravilhas infalíveis, o sexo forte. Do outro, um discurso presidencial machista exaltando o papel doméstico feminino, de cuidar dos filhos e do marido e de gerir o orçamento da casa a partir de supermercados. No meio, propagandas vendendo produtos cosméticos femininos com descontos imperdíveis.

Muito mais do que de celebração, a data é política e de reflexão, ainda necessária em tempos de violência e desrespeitos contra os corpos e direitos das mulheres no mundo. Mas todo 8 de março é a mesma coisa: falação, comércio, espetáculo e pouca ação. De todos os lados, falta organização para mudar o necessário, seja a falta de isonomia salarial no desempenho das mesmas funções, seja a difusão de estereótipos de gênero, seja a eleição de mulheres que verdadeiramente nos representem.

Certo que há força bruta, fanatismo religioso e poder econômico jogando pesado contra nós, além de alienação e cinismo dos que fingem não ver as desigualdades ou teimam em afirmar que homens e mulheres são iguais.  Somos absolutamente diferentes, nos aspectos psicológicos e biológicos, e devemos sim ter tratamentos desiguais. Como pregava Rui Barbosa, igualdade é tratar desigualmente os desiguais.

É preciso ajustar o foco do que importa. Do contrário, teremos sempre um abismo entre o discurso e a prática. De nada adianta o patrulhamento agressivo e sarcástico de feministas criticando indistintamente os homens ou as mulheres que não se enquadram nos padrões politicamente corretos. Nos classificarem como independentes ou submissas, fortes ou frágeis, espertas ou bobas, rodadas ou recatadas, do bar ou do lar é limitar nossa liberdade.

Nossas ambições e humores mudam, de acordo com os anos e os hormônios. É difícil sentir os efeitos pré-menstruais ou os da menopausa, mas também não é fácil para os homens conviverem com nossa bipolaridade nesses dias. Regra geral, não somos melhores nem piores do que eles, que também têm alterações hormonais e emocionais que não se permitem viver ou discutir.

Os homens estão aprendendo agir de modo diverso do que todos, inclusive suas mães, lhes ensinaram. Eles devem ser incentivados a invadir o universo feminino, ao invés de ouvirem que não têm jeito para cuidar de um bebê, fazer compras de supermercado, opinar na decoração da casa, cozinhar... Novos direitos masculinos, como licença-paternidade ampliada e guarda compartilhada, também podem significar ganhos para mulheres e um caminho de diálogo.

Bem, essa é apenas a minha opinião. Mulheres são diferentes e divergentes na casca e na essência. Somos imperfeitas, com virtudes e defeitos. Nada de heroínas, deusas ou santas. Podemos ser o que quisermos: extrovertidas, sérias, casadas, solteiras, profissionais, donas-de-casa, com ou sem filhos... Não nos encaixarem em rótulos ou nos compararem já é um presente. Para todos os dias.



Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay