domingo, 13 de dezembro de 2015

A felicidade vem de dentro



Mais um ano terminou. Época de checar metas atingidas, promessas não cumpridas e surpresas, boas ou más. Fazemos a retrospectiva mental de fatos pessoais marcantes: a viagem realizada, a morte de alguém querido, o início de um amor, o exercício físico adiado, o novo emprego... Muitos contabilizam o saldo da felicidade, como se esta pudesse ser pesada numa balança de prós e contras, para então ser sentida.  Não raro lamentam: “Este ano não foi feliz para mim! O Ano Novo tem que ser melhor”. Mas, afinal, não somos nós que devemos ser felizes e melhores?
     Colocamos o peso da felicidade sobre os fatos, os outros, os anos, esquecendo-nos de que ela deve vir leve (do contrário, é fardo) e de dentro. Ser feliz é, na maioria das vezes, um aprendizado: tirar o melhor dos momentos – alegres e tristes, especiais e banais -, tramando-os como fios de um mesmo novelo.  É natural que conquistas materiais e realizações nos motivem, assim como perdas e situações difíceis nos desestabilizem. Mas estar bem, feliz, é um patamar acima de bem-estar ou adversidades. Tem a ver com a satisfação por quem nos tornamos.
     Somos partes de um todo – do universo, do planeta, de uma nação –  que nesse ano se mostrou difícil, por vezes cruel, com símbolos da infelicidade sem fronteiras. Nos indignamos e até choramos com o que vimos, porque nossos conscientes e inconscientes estão conectados e o sofrimento coletivo nos atinge. A hora, porém, é de analisar o que desejamos, superamos e alcançamos nos últimos doze meses, em nossa conexão interior por felicidade. Porque ser feliz é se conhecer e se gostar cada vez mais, para estar pleno de si e irradiar boas energias. Todo ano temos essa chance.
   Felicidade é aceitar a transitoriedade da vida, dos momentos e das necessidades que precisamos suprir para sermos felizes a cada fase: juventude, maturidade, velhice. Somos felizes de um jeito aos vinte, trinta anos, mas seremos de outros aos quarenta, aos cinquenta e depois. Seremos felizes até o fim se entendermos que tudo passa (as piores tempestades e as mais férteis colheitas), mas poderemos seguir explorando novos horizontes e nossas potencialidades.  Todos mudamos. Ainda que pouco, menos do que gostaríamos, o suficiente para sonhar outros sonhos.
      Ser feliz não é sinônimo de alegria e de vida perfeita, tampouco estar triste e com problemas é o seu oposto. A felicidade verdadeira pode se revelar em miudezas e dúvidas e escapulir entre enormidades e certezas. Você pode viver sua tristeza, mas sentir-se feliz por respeitar seus momentos de dor ou reflexão e crescer com eles. Ao contrário, se descobrir imensamente infeliz vivendo entre prazer e diversão, mas caindo no vazio quando a adrenalina e a empolgação diminuem. 
     Há pessoas que, ao invés de descobrirem o que de fato as faz felizes, vivem sob holofotes um simulacro de felicidade, em cenários fantásticos ou alto-astral. Despencam de suas montanhas-russas emocionais com seus êxtases e depressões, porque não se permitem pensar e se depurar. Se algo lhes dilacera, ignoram que é hora de recolhimento para juntar pedaços e que a felicidade não estará em vitrines, festas ou fotos postadas. No máximo, isso causará euforia, excitação e vaidade, que inebriam mas também viciam.
     Não dormimos e acordamos felizes todos os dias, mesmo com o amor ao nosso lado e a sorte nos sorrindo com frequência. Nos cansamos devido à rotina, nos decepcionamos com fatos e pessoas, nos sabotamos por falta de confiança, mas em meio a tudo isso é possível deixar a felicidade nos invadir, vivendo com simplicidade e plenitude os nossos momentos. Pense nisso durante o novo calendário e curta o chamego com companheiros e filhos, descubra novas habilidades, desfrute o prazer de sua exclusiva companhia... Há tanto a se fazer... Se houver compromisso com a felicidade, ela virá. 
     Se sua lista de desejos para o ano que passou ficou longe de ser realizada, ou foi sem lhe fazer feliz, é hora de rever seus itens e olhar para dentro de si. Sinta, mude, improvise. Troque a musculação por pilates, a viagem internacional por Lumiar, a profissão estressante pela arte adormecida... A felicidade pode estar fora do script, em se abrir ao imprevisível e ao não experimentado. Como tomar um delicioso banho de chuva de verão, tão desejado quando criança mas nunca permitido. 
    Que nossas preces para o novo ano incluam coragem e inspiração para sermos felizes, seguindo nossos melhores sentimentos e intuição. Muito além de metas.



Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay

domingo, 6 de dezembro de 2015

Entre estrelas e sonhos


Muitos mistérios entre o céu e a terra voltaram a me interrogar quando virei mãe. As frases e perguntas criativas e instigantes de meus filhos me fazem perder o fôlego, procurar respostas entre a religião e a ciência e, diante do inexplicável, repensar a vida sob o prisma da encantadora filosofia infantil. Com eles, aprendi que a inocência e o faz de conta são como as metáforas e a poesia, transformando com beleza o irreal em possível, o corriqueiro em raridade, o vazio em imaginação. Com a chegada do Natal, relembro memórias em que significados emergiram de instantes de magia.
     Em breve, minha filha completará onze anos de momentos assim. Sua cabecinha sempre foi enfeitada por pérolas sobre a existência - a sua e a da vida em geral, o começo e o fim. Aos três anos me revelou, soluçando, estar com saudade da avó paterna que falecera um ano e meio antes. Ainda bebê, Júlia passou a chorar com atípica frequência, sentindo a perda daquela com quem teve um curtíssimo mas intenso convívio. E mesmo que o tempo houvesse passado alegremente para a minha pequena menina, a ausência batia novamente forte em seu coração, pedindo-me explicações:“Aonde vovó estava? Por que morremos?”. 
     Para apaziguar seu coração - e por crer que bons espíritos viram luzes num lugar sereno – lhe disse que a avó se transformara em uma estrela no céu. Deus havia decidido sua hora de partir, mas ela estava bem e olhando por nós lá de cima. Era tarde da noite e Juju dormiu, reconfortada. Meses depois, com essa história ecoando em si, contou-me empolgada que tinha aprendido na escola que certas estrelas, chamadas cadentes, caíam na terra.  Seu raciocínio me emocionou: - Será que um dia a vovó cairá do céu e eu vou estar com ela de novo? Respondi a minha estrelinha que sim, em seus sonhos e lembranças.
    No vai e vem entre escola e casa, descobertas e rotina, minha menininha seguiu contemplando o mundo pelas janelas escancaradas da infância. Tímida, aos poucos foi se revelando também questionadora e criativa, capaz de fazer conjecturas, inventar classificações e ilustrar histórias no papel a partir dos quatro anos, idade em que se definiu como ´pré-pré-adolescente`. Nessa época, apelidou seu quarto de “laboratório de sonhos”, trancando sua porta pela primeira vez. Quando perguntei o que fazia ali, quietinha, disse-me que sonhava. Ponderei que era de dia e ela não estava dormindo e ouvi encantada: “Mas eu sonho mesmo é acordada, mamãe...”.
   Sua mente fértil passou a plantar ideias para colher verdades, feito deliciosos frutos maduros.  Como no fim de tarde em que, de costume, passávamos em frente ao antigo terreno baldio onde há meses erguiam velozmente mais um arranha-céu. Ela e o irmão, atipicamente calados, observavam com olhinhos ávidos e arregalados o espocar de letreiros e faróis, as pessoas andando nas calçadas, os vendedores ambulantes, a paisagem... De repente, Júlia rompeu o silêncio que eu já estranhava:
    - Nossa! Esse prédio novo tá enorme! Estão construindo ele porque muitas pessoas nascem e precisam de lugar pra morar, né? Vão ter que construir muitos prédios no mundo!-, disparou, como se divagando sobre superpopulação e déficit habitacional, para segundos depois fazer uma enigmática pergunta.
     - Mamãe, como nasceu ´a` pessoa, hem?
    Achei que era uma repetição do mesmo questionamento – sobre o nascimento dos bebês – que ela tivera meses antes. Como resposta, eu dera a clássica explicação da sementinha do amor que é posta pelo pai na barriga da mãe.  Então, argumentei:
     - Como assim a pessoa, Juju? Todas as pessoas nascem das barrigas das mães, como já lhe contei...
     - Eu quero saber como nasceu a pri-mei-ra pessoa, quando não tinha nin-guém no pla-ne-ta, quando o mundo estava va-zi-o!
    Boquiaberta e sem ação, parada no trânsito, pensei aceleradamente em Gênesis, Teoria da Evolução e nas hipóteses que eu desconhecia sobre tão misterioso assunto. Cautelosa, sem querer influenciá-la, argumentei que aquela era uma pergunta complicada, com várias respostas que eu não conseguiria dar naquele instante, dirigindo. “Quando chegarmos em casa, vou tentar lhe responder, tá?”, prometi.
    - Tá bom...-, disse ela, resignada, um minuto antes de explodir em êxtase de cientista:
    - Já sei, mamãe!!! Não precisa me explicar. A primeira pessoa nasceu do chão! Que nem uma planta! Depois virou uma árvore e deu outras plantinhas... É isso!!!
      Mais do que uma rica e doce tese infantil sobre o início da humanidade, naquele dia vi surgir uma criança perspicaz e entusiasmada pelos mistérios da vida. Minha filha estava crescendo e se construindo, mais rapidamente do que aquele arranha-céu que ficara para trás. Seus tijolos eram feitos de estrelas e sonhos, porém mais indestrutíveis do que cimento. 


Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay