domingo, 6 de dezembro de 2015

Entre estrelas e sonhos


Muitos mistérios entre o céu e a terra voltaram a me interrogar quando virei mãe. As frases e perguntas criativas e instigantes de meus filhos me fazem perder o fôlego, procurar respostas entre a religião e a ciência e, diante do inexplicável, repensar a vida sob o prisma da encantadora filosofia infantil. Com eles, aprendi que a inocência e o faz de conta são como as metáforas e a poesia, transformando com beleza o irreal em possível, o corriqueiro em raridade, o vazio em imaginação. Com a chegada do Natal, relembro memórias em que significados emergiram de instantes de magia.
     Em breve, minha filha completará onze anos de momentos assim. Sua cabecinha sempre foi enfeitada por pérolas sobre a existência - a sua e a da vida em geral, o começo e o fim. Aos três anos me revelou, soluçando, estar com saudade da avó paterna que falecera um ano e meio antes. Ainda bebê, Júlia passou a chorar com atípica frequência, sentindo a perda daquela com quem teve um curtíssimo mas intenso convívio. E mesmo que o tempo houvesse passado alegremente para a minha pequena menina, a ausência batia novamente forte em seu coração, pedindo-me explicações:“Aonde vovó estava? Por que morremos?”. 
     Para apaziguar seu coração - e por crer que bons espíritos viram luzes num lugar sereno – lhe disse que a avó se transformara em uma estrela no céu. Deus havia decidido sua hora de partir, mas ela estava bem e olhando por nós lá de cima. Era tarde da noite e Juju dormiu, reconfortada. Meses depois, com essa história ecoando em si, contou-me empolgada que tinha aprendido na escola que certas estrelas, chamadas cadentes, caíam na terra.  Seu raciocínio me emocionou: - Será que um dia a vovó cairá do céu e eu vou estar com ela de novo? Respondi a minha estrelinha que sim, em seus sonhos e lembranças.
    No vai e vem entre escola e casa, descobertas e rotina, minha menininha seguiu contemplando o mundo pelas janelas escancaradas da infância. Tímida, aos poucos foi se revelando também questionadora e criativa, capaz de fazer conjecturas, inventar classificações e ilustrar histórias no papel a partir dos quatro anos, idade em que se definiu como ´pré-pré-adolescente`. Nessa época, apelidou seu quarto de “laboratório de sonhos”, trancando sua porta pela primeira vez. Quando perguntei o que fazia ali, quietinha, disse-me que sonhava. Ponderei que era de dia e ela não estava dormindo e ouvi encantada: “Mas eu sonho mesmo é acordada, mamãe...”.
   Sua mente fértil passou a plantar ideias para colher verdades, feito deliciosos frutos maduros.  Como no fim de tarde em que, de costume, passávamos em frente ao antigo terreno baldio onde há meses erguiam velozmente mais um arranha-céu. Ela e o irmão, atipicamente calados, observavam com olhinhos ávidos e arregalados o espocar de letreiros e faróis, as pessoas andando nas calçadas, os vendedores ambulantes, a paisagem... De repente, Júlia rompeu o silêncio que eu já estranhava:
    - Nossa! Esse prédio novo tá enorme! Estão construindo ele porque muitas pessoas nascem e precisam de lugar pra morar, né? Vão ter que construir muitos prédios no mundo!-, disparou, como se divagando sobre superpopulação e déficit habitacional, para segundos depois fazer uma enigmática pergunta.
     - Mamãe, como nasceu ´a` pessoa, hem?
    Achei que era uma repetição do mesmo questionamento – sobre o nascimento dos bebês – que ela tivera meses antes. Como resposta, eu dera a clássica explicação da sementinha do amor que é posta pelo pai na barriga da mãe.  Então, argumentei:
     - Como assim a pessoa, Juju? Todas as pessoas nascem das barrigas das mães, como já lhe contei...
     - Eu quero saber como nasceu a pri-mei-ra pessoa, quando não tinha nin-guém no pla-ne-ta, quando o mundo estava va-zi-o!
    Boquiaberta e sem ação, parada no trânsito, pensei aceleradamente em Gênesis, Teoria da Evolução e nas hipóteses que eu desconhecia sobre tão misterioso assunto. Cautelosa, sem querer influenciá-la, argumentei que aquela era uma pergunta complicada, com várias respostas que eu não conseguiria dar naquele instante, dirigindo. “Quando chegarmos em casa, vou tentar lhe responder, tá?”, prometi.
    - Tá bom...-, disse ela, resignada, um minuto antes de explodir em êxtase de cientista:
    - Já sei, mamãe!!! Não precisa me explicar. A primeira pessoa nasceu do chão! Que nem uma planta! Depois virou uma árvore e deu outras plantinhas... É isso!!!
      Mais do que uma rica e doce tese infantil sobre o início da humanidade, naquele dia vi surgir uma criança perspicaz e entusiasmada pelos mistérios da vida. Minha filha estava crescendo e se construindo, mais rapidamente do que aquele arranha-céu que ficara para trás. Seus tijolos eram feitos de estrelas e sonhos, porém mais indestrutíveis do que cimento. 


Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay


Nenhum comentário:

Postar um comentário