segunda-feira, 28 de março de 2016

O simbolismo da Páscoa


Das celebrações religiosas, a Páscoa é, para mim, a de maior sentido de purificação e renovação. Considero-me uma cristã não dogmática, educada nas bases do catolicismo e atenta à doutrina espírita. Acredito em Jesus e seu calvário, mas penso que não devemos cultivar martírios, culpas e penitências.  A ressurreição ou a vida de nossas almas após a morte são mistérios em que podemos crer ou não. Teologia à parte, o simbolismo da Páscoa inspira reflexão.

Páscoa em hebraico significa passagem, algo que fazemos cotidianamente mesmo sem perceber. Nossos renascimentos se dão a partir de rupturas, desfechos e ciclos que vivemos. Estamos sempre passando entre estados de espíritos, lugares, pessoas, momentos... Como partículas que se agregam ou se afastam, o tempo se condensa eterno ou evapora efêmero em nós, que decidimos o que dele iremos filtrar e guardar.

Esta Páscoa teve um sentido especial de vida para mim, já que na anterior vivi o luto pela passagem de meu pai. Agora percebo meus filhos crescendo, consolidando suas personalidades e se despedindo da infância. Os rastros dela ainda se espalham pelos quartos, nos brinquedos e jogos preferidos aguardando o desapego. As covinhas em suas mãos estão sumindo, seus frágeis corpos prenunciam a puberdade, suas vozes oscilam timbres e dúvidas. Logo trilharão seus outros caminhos, na passagem pela adolescência.

Comemoro suas mudanças psicológicas – os dentes ainda em troca, já sem esperarem sob os travesseiros por fadas -, aproveitando seus momentos de inocência e desejando que perdurem. Nesta Páscoa, me pediram explicações religiosas e que eu escondesse ovinhos de plástico com chocolates pela casa. Aos poucos eles seguem descobrindo a realidade - as doces mentiras e as amargas verdades. Enquanto os oriento para que se protejam de perigos e saibam encarar o medo (pois nisso reside a coragem), lhes ensino a mergulhar nos sonhos. Como os dos livros que lemos juntos.

Crescer, literalmente, dói. Meus filhos têm reclamado, como eu fazia à minha mãe, que sentem dores nas pernas. Como ela, lhes digo que é dor de crescimento dos ossos, que se alongam. Ainda não lhes contei o que aprendi sozinha: que a alma fica bem mais dolorida quando se é adulto. Estica, esgarça, com tantos sentimentos. Quando eles me dizem em sua nostalgia infantil que preferiam continuar crianças – tal Peter Pan e os meninos da Terra do Nunca -, eu enalteço a passagem do tempo como um milagre e motivo de conquistas, mas torço para que levem com eles o melhor da infância.

Por eles terem crescido vários centímetros, pudemos há dias vivenciar uma inédita aventura radical: despencar das montanhas-russas da Disney. Com tremor nas pernas e o coração disparando, acompanhá-los junto com o pai em quedas de mais de trinta metros e loopings. Quando pensava em desistir, respirava fundo, fechava os olhos, segurava nas mãos deles e ia... Minutos de adrenalina e diversão, repetidos seis vezes, nos proporcionaram lembranças que ficarão para sempre, como uma endorfina de felicidade. Fiquei orgulhosa de conseguir dominar meu medo, passar por ele, e me permitir viver isso ao lado de meus filhos.

Continuaria falando sobre a infância e os momentos de alegria fugazes que se tornam perenes. Mas a tristeza alterou o rumo destas linhas. Quando terminava esta crônica ontem, ouvi a notícia sobre mais um ataque terrorista, dessa vez no Paquistão, com 72 vítimas fatais e centenas de feridos, dentre elas dezenas de crianças e adolescentes. Eram famílias que celebravam a Páscoa justamente num parque de diversão e foram destruídas pelo sofrimento. Nesse cruel paradoxo, tudo parece perder o sentido...

O domingo sangrento aumentou a importância de ressignificar a Páscoa e a vida. Diante do ódio e da intolerância, a importância do amor e do respeito às diferenças sobressai ainda mais. Podemos nos chocar e chorar, mas com fé e esperança para seguir. Somos o resultado de nossas experiências e emoções e isto deve incluir não desistir de acreditar, apesar das provações e de toda a dor.  Senão, morremos em vida, sem chance de renascer.

    

Texto: Nadja Bereicoa

Foto: Pixabay



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