quinta-feira, 29 de junho de 2017

Não superexponha a felicidade



Não se trata de esconder a felicidade a sete chaves, pois nem você irá achá-la. Mas não a superexponha, como um troféu na vitrine. Isso é tudo, principalmente vaidade e euforia, menos felicidade.  Se você possui um amor correspondido, preserve-o. Se tem tido conquistas, proteja-as. Se é feliz, agradeça e siga discretamente assim. Em tempos de redes sociais, isso pode trazer mais ganhos do que perdas. 

Se você não percebeu, felicidade demais - ainda que seus estereótipos - às vezes incomoda quem não consegue ou não sabe ser minimamente feliz. Pode despertar a dor e a cobiça. Sim, cuidado, existem ladrões de felicidade capazes de furtá-la sorrateiramente, com seus campos magnéticos negativos. São estranhos, conhecidos e até mesmo nós, quando o ego não nos deixa ver que não é preciso muito para ser feliz.

Cada vez mais acho que a felicidade mora em momentos triviais, precisando apenas de entrega, atenção e... privacidade. Ela vem não apenas da alegria, mas do que é emocional e essencial e isso é impalpável e invisível. Como o bem-estar, o autoconhecimento e a paz interior. Até mesmo decepções, frustrações e tristeza, vividos sem subterfúgios, nos fazem aprender a ter mais felicidade, a valorizar sua essência no dia a dia.

A felicidade não pede por holofotes e audiência, mas muitos parecem ignorar isso, preferindo esfregar o seu pretenso sentimento nas caras dos outros. Para esses, ser feliz é ter casas luxuosas, carros possantes, vinhos raros, viagens caras, aparências exuberantes e amores de romance. Tudo bonito e perfeito.

Nada contra sucesso, conforto, beleza... No entanto, esses são meros acessórios externos de felicidade, perecíveis cascas que esfarelam se não há o que as sustente.  A exibição dessas fachadas felizes cria uma mórbida simbiose entre os que invejam e os que gostam de ser invejados, provocando amargura tanto em quem não as possui como em quem as ostenta mas por dentro vive um grande vazio existencial.

Quem é feliz não faz alarde, nem pretende instigar a infelicidade alheia. Conquistas pessoais e materiais sem dúvida alimentam a sensação de felicidade, mas supervalorizar e expor isso pode nos tornar alvos de furtos de felicidade. Quem não quer correr riscos prefere buscar de forma silenciosa seus objetivos, sem perder o foco da felicidade genuína, que é interna. Somente ela pode levar à plenitude.  



Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay





sexta-feira, 2 de junho de 2017

Indiferença, silêncio que diz muito


A indiferença é silêncio que diz muito e cala fundo em quem a percebe. Ela é um ato de desamor talvez pior do que o ódio, porque fere com frieza e distância. Sob a casca do descaso, o indiferente não se motiva, não sente ou finge que não sente. A grande questão é o que está por trás do que parece ausência de emoção, porém é a mistura de vários sentimentos disfarçados que podem vir de quem a gente mais estima.

Em épocas de emoções voláteis e volúveis, que surgem e somem com toques na tela do celular, pessoas automatizam e banalizam reações e relações. Vivem extremadas com aquilo que não lhes diz respeito e indiferentes com quem e o que deveriam lhes importar.  Vivem entre a adrenalina e a anestesia, externando instintivamente seu lado sombrio, em atitudes que machucam, e racionalmente represando emoções luminosas, que fariam bem a outras pessoas.

Por falta de vontade, estratégia psicológica ou depressão, muitos não conseguem externar um elogio ou uma admiração, ostentando o ar blasé do desinteresse ou da apatia. Esse é o reflexo de uma parcela egocêntrica da sociedade, que privilegia o instantâneo e estimula a competição. A reciprocidade é a sua regra de ouro, em que um input já espera pelo feedback. Se isso não ocorre, a indiferença vira birra de criança, retaliação.

A indiferença pode sinalizar desprezo, fuga ou defesa ou ser apenas uma decisão de neutralidade, para não se comprometer, não se aborrecer. A diferença da indiferença está em sua intenção e no seu alvo. Quando o indiferente é alguém de nosso círculo de afetos, que ignora as nossas conquistas e até nossas dificuldades, pode ser um sinal de emoções conflitantes: ressentimento, ciúme, raiva... ainda que haja bem-querer.

Todo mundo quer ser notado pelo que faz de melhor, mas vale analisar se o silêncio do outro é pontual, se ele está com problemas, sem tempo ou se realmente não tem consideração, talvez por inveja. É melhor pensar bem antes de ser indiferente só para dar o troco, pois esse jogo é capaz de nos dessensibilizar. Mais vale acreditarmos em nosso potencial, sem nos abalar com a indiferença alheia. Até porque muitas vezes o que impera é o ditado "Quem desdenha, quer comprar".   

    
Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay






quinta-feira, 25 de maio de 2017

Perdoar é terapia que cura e engrandece


Perdoar faz parte de um processo transformador, que cura e engrandece. Não à toa a palavra deriva do latim perdonare - de per, “para”, mais donare, “doar”. Doa-se o que se tem de melhor: a esperança de que a dor passe e ensine. Quem perdoa se cansa de sofrer e lamentar o que lhe fizeram, escolhendo apostar no presente ao invés de se martirizar com o passado.

Com o tempo, aprendi que perdoar é, mais do que amor ao próximo, uma prova de amor-próprio, para preservar a saúde, mental e física. Das decisões que podemos tomar, o perdão é das mais libertadoras. Ele deixa a alma leve, sem o peso de sentimentos ruins, que  alimentam a dor, ressentindo-a, estagnam a vida e adoecem. 

Infelizmente, o perdão é considerado ato de fraqueza, enquanto a vingança é coroada como força e justiça. Impera no mundo a Lei de Talião, do “Olho por olho, dente por dente”. Ofendidos preferem se igualar ao ofensores, retribuindo na mesma moeda a raiva, a deslealdade, a indiferença... 

Quando a gente rumina o que é ruim, se maltrata mais do que aos que nos magoam. Estes costumam subestimar seus atos ou se blindarem com convenientes amnésias.  Se têm noção deles, não sentem a dor latejar como quem atingiram. Mas em algum momento seus erros pesarão em suas consciências. Elas ou a vida se encarregarão de puni-los, na medida das consequências geradas. 

Ao longo da vida fui ferida de várias formas e precisei perdoar para preservar minha saúde e minha evolução espiritual. Certa vez recorri à chamada psicoterapia do perdão, técnica de abordagem sistêmica que considera que os atos danosos são imperdoáveis mas quem os comete pode e deve ser perdoado, para que as relações sejam reconstruídas em novos patamares e a vida siga sem sequelas paralisantes, danosas.

Todos ferimos alguém, mesmo que com palavras e atitudes cotidianas. Costumamos ser inflexíveis com quem mais convivemos, como se a intimidade e o amor fossem salvo-condutos... O processo de perdoar e ser perdoado pode nos fazer refletir sobre como temos agido e o que temos de mudar. Seu primeiro passo é o auto perdão, de nossos erros e fragilidades. 

O perdão pode levar meses, anos, décadas ou uma vida inteira. Mesmo com ele, pode ser inevitável um afastamento temporário ou definitivo.  Perdoar não traz o esquecimento, não nos faz voltar a confiar em alguém, mas nos deixa seguir com menos expectativas nos outros e mais autoconfiança. Perdoar é fazer um novo pacto com a vida, de paz interior, que nos permitirá lembrar sem dor das cicatrizes que ficaram. 

 

Texto: Nadja Bereicoa  

Imagem: Pixabay

 

sexta-feira, 28 de abril de 2017

Quem quer ter razão perde tudo, até a razão


Algumas pessoas perdem tudo para provar que têm razão. Perdem tempo, amigos, saúde... Tudo pela necessidade de levar a sua opinião às derradeiras consequências do convencimento. Tudo para dar a última palavra numa discussão acalorada, com tréplicas e quádruplas.  Ao final, esbravejam, xingam e perdem a paz e a lucidez, junto com a razão. 

Poucos são os sábios que se calam quando acham que têm razão. Se veem o diálogo se encaminhando para a animosidade, trocam a vaidade pela sanidade. Para esses, escolher não ter razão publicamente é um exercício de humildade, é abrir mão de uma tola onipotência e se contentar com a consciência silenciosa e solitária da razão.

A razão barulhenta, que quer competir e estar certa, quase sempre afasta, magoa. A maioria das pessoas faz valer essa razão de forma irascível, como se suas palavras pudessem penetrar na alma alheia para catequizá-la. Tempo perdido em vão, porque razão é algo que todo mundo carrega e procura defender. A vida mostra quem a tem de fato.

Nas redes sociais, onde são comuns o chavão “Pronto. Falei!” e os textões de desabafos, muitos acham que falam o que pensam, quando falam sem pensar. Esquecem-se que “quem fala o que quer, ouve o que não quer”, como diz o ditado. Se disparam palavras como metralhadoras, deveriam estar preparadas para enfrentar munição dos que também defendem com veemência suas opiniões ou baixarem a guardar.  Mas o que se vê em geral é mais artilharia pesada.  

Não custa ser gentil com as palavras e previdente quanto aos efeitos danosos de certas discussões. Há aquelas que de antemão se mostram perigosas e inúteis, como sobre futebol, política e religião. É preciso tato para não ferir nem se deixar ser ferido, entendendo que sinceridade não significa grosseria. E que verborragia e agressividade não fazem vencedores. Ao contrário, geram perdedores e arrependimento.

Dialogue por ideias, argumente por respeito, converse para achar o fio da meada que você perdeu ou nunca encontrou – debata pelo que for -, mas sempre para acrescentar. Nunca para ganhar. Você ganha se souber sair de uma discussão na hora certa, mostrando sua visão calmamente. Aliás nem entre nela se não tiver calma e tempo suficientes para não alterar o seu equilíbrio emocional. 

Uma das vantagens de envelhecer é que a gente abre mão das certezas, diante das reviravoltas que testemunhamos na vida. Nossas prioridades mudam e a tranquilidade passa a figurar dentre as principais. Passamos a não ligar para opiniões alheias sobre nós e a não condenar sumariamente o que os outros pensam ou fazem, considerando somente o que venha somar. Passamos a relativizar fatos e sentimentos em prol do que importa de verdade. Ter razão deixa de ter razão.

De que adianta o coração palpitar, o corpo tremer e as palavras saírem em descompasso com os sentimentos? Isso só vale por amor, não por raiva e arrogância. Se você já sentiu os péssimos sintomas físicos e psicológicos de uma discussão, sabe que é melhor trabalhar a respiração (sim, inspirar e expirar profunda e pausadamente faz milagres...) e não carregar no tom ou nas palavras. Fale, mas ouça, pense e mude de opinião se quiser. A única razão que importa é a de ser feliz.


Texto: Nadja Bereicoa

Imagem: Pixabay


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Estamos sempre de passagem


Se permitirmos, a Páscoa – que significa passagem em hebraico - acontece todos os dias em nós. Estamos sempre de passagem por lugares, pessoas,  sentimentos e momentos, que nos fazem bem ou mal. Cabe-nos escolher do medo à coragem, do egoísmo à solidariedade, do ódio ao amor, da tristeza à alegria...  A forma como atravessamos nossas etapas definirá onde chegaremos e se iremos nos aprisionar ou nos libertar.

      Você pode ser cristão ou não. Pode acreditar em ressurreição ou em reencarnação. Pode até não ter religião e achar que tudo acaba com a morte, o que não é o meu caso. Penso que estamos na Terra de passagem... Mas ainda que você considere esta vida única (e é, pois nenhuma outra será igual) deve, por isso mesmo, se deixar viver. Entregar-se à acomodação da infelicidade por achar que esta é sina, protege ou não dá trabalho, é morrer aos poucos. Não morra em vida. E se morrer, renasça, reinvente-se. Sua alma lhe agradecerá. 

     Todos os dias a gente decide quem vai se tornando e o que fazer pelo mundo, se vai subtrair ou somar. A gente decide como encarar os fatos indesejados que nos atropelam.  Decide, por exemplo, que o fracasso não é uma derrota, mas uma tentativa que não deu certo, rumo ao êxito. E então decide se continua com passo firme na mesma rota ou se vai trilhar um novo caminho, por mais difícil que seja caminhar.

     Cultivar a dor além do ponto, remexer e afundar feridas que já fecharam é recusar-se a viver.  Precisamos respeitar as cascas que secaram e seu tempo de caírem naturalmente. Se restarem marcas, quando as olharmos sem a opção por sofrer elas nos lembrarão do que aprendemos mas não queremos repetir. Aí renasceremos. Renascemos em um abraço caloroso, um pôr do sol indescritível, uma viagem dos sonhos... um novo jeito de ser. 

     A gente renasce quando envelhece crendo sempre que pode superar, mudar, ser melhor e aumentar a nossa capacidade de compreensão, bondade, resiliência. Se deixarmos, se não resistirmos, o tempo opera em nós o grande milagre da transformação e da evolução espiritual. São as nossas passagens, nossas Páscoas pessoais. 



Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay



segunda-feira, 20 de março de 2017

Deixe o outono te desfolhar



O verão mal terminou e já se sente a temperatura amena e um mistério no ar. Que março carregue em suas águas o que não tem razão de ficar e deixe cair nas calçadas as primeiras folhas do outono de quem quiser recomeçar. A gente se mostrou, dourou a pele, ardeu em brasa e não pensou em nada, porque o calor não deixava. Mas agora, preste atenção: é tempo de transição. Ventos fortes começam a soprar...

Vá com calma, escute a sua intuição e o que os ventos lhe dizem. Veja para onde correm e não necessariamente siga as suas direções. Você pode se deixar levar, tomar impulso até o meio do caminho e então seguir sozinho.  Ou contrariar seus rumos e andar na contramão de tudo - dos outros e da própria razão -, fazendo de bússola o seu coração. Se ele vibrar forte, dê uma chance à sorte e vai ser feliz!

Mas não se esqueça de pensar, porque sempre precisamos analisar o que fizemos ou não, para poder de novo sonhar. Aproveite que o tempo é de desfolhar e mude, se desnude, troque de pele se preciso for. Limpe, esfolie, remova as células mortas e as impurezas que se acumularam nos últimos tempos. Renove-se e, acredite, você renascerá.

Olhe-se no espelho da alma e veja o que não deu certo, do que se arrependeu ou porque se machucou. Será que você tentou todas as possibilidades de crescer e de ser feliz? Inventou, misturou, arriscou, insistiu? A felicidade não tem fórmula, mas a vida oferece ingredientes e temperos saudáveis, infindáveis, para criarmos novas receitas, a cada dia. Experimente, para aguçar o paladar. 

Regra básica para não desandar uma receita é descartar o que lhe faz mal ou cuja validade venceu. Do contrário, azedará, estragará, envenenará tudo o que você tocar.  Se magoou ou traiu alguém e isso lhe doeu, arrependa-se e peça desculpas - se não pessoalmente, ao menos ore com fé ou mentalize a melhor energia que puder, e isso se canalizará para selar o bem entre vocês.

Já se você foi magoado, apunhalado, eu lhe entendo bem e digo o quanto é necessário se recolher, deixar sangrar até a última gota. Mas uma hora, pra não adoecer, é preciso dar um basta, parar de purgar a mágoa e se vitimizar. Apenas assim você vai cicatrizar e ir adiante, com ou sem quem lhe feriu. O perdão lhe ajudará. Mais do que amor ao próximo, significará o seu amor-próprio.

Comece perdoando a si mesmo, se fracassou, mentiu, se omitiu, desistiu ou nem tentou. Depois pese o que lhe fala alto no momento: amor, saúde, amizade, sucesso, paz, sexo, dinheiro...?! Talvez você queira um mix de tudo, bem dosado pra equilibrar a balança e o juízo. Talvez você precise mais de um deles, para compensar que esteve muito tempo em falta. 

O importante é não deixar erros se repetirem e expurgar o que estiver secando, apodrecendo, morrendo, pra nascer sua melhor versão. Se entregue ao outono, se desapegue e deixe que ele leve o que se completou, o que não serve mais ou o que foi efêmero e não agregue. Além de momentos lindos para lembrar, ficará o que você queria esquecer porque doeu fundo e, por isso, lhe fez crescer. Mas o antigo sofrimento haverá partido e outras histórias terão chegado.

O outono cobrirá os novos caminhos com folhas de vários feitios e tons – verdes e também ocres, amarelas, vermelhas e marrons –, desnudando as árvores e a nossa sensibilidade.  Que ele seja bem-vindo e nos inspire com sua mágica capacidade de transformação, mirando em outras estações.



Texto: Nadja Bereicoa

Imagem: Pixabay

 

 



sexta-feira, 17 de março de 2017

Mulheres, do jeito que quiserem

     

Passei o Dia Internacional da Mulher com TPM, uma forte enxaqueca, uma cólica de causar contorcionismo e o humor entre depressivo e irritado. Após meus filhos saíram pra escola, tomei um remédio e dormi a manhã inteira, ignorando a data. Quando acordei, uma tempestade de parabéns, rosas, galãs embrulhados para presente e palavras melosas ou de luta enalteciam as mulheres no celular e na TV. Achei tudo fora do tom e não me identifiquei com nada.

De um lado, o discurso feminista de empoderamento e contra o chavão ´bela, recatada e do lar` nos retratando como mulheres-maravilhas infalíveis, o sexo forte. Do outro, um discurso presidencial machista exaltando o papel doméstico feminino, de cuidar dos filhos e do marido e de gerir o orçamento da casa a partir de supermercados. No meio, propagandas vendendo produtos cosméticos femininos com descontos imperdíveis.

Muito mais do que de celebração, a data é política e de reflexão, ainda necessária em tempos de violência e desrespeitos contra os corpos e direitos das mulheres no mundo. Mas todo 8 de março é a mesma coisa: falação, comércio, espetáculo e pouca ação. De todos os lados, falta organização para mudar o necessário, seja a falta de isonomia salarial no desempenho das mesmas funções, seja a difusão de estereótipos de gênero, seja a eleição de mulheres que verdadeiramente nos representem.

Certo que há força bruta, fanatismo religioso e poder econômico jogando pesado contra nós, além de alienação e cinismo dos que fingem não ver as desigualdades ou teimam em afirmar que homens e mulheres são iguais.  Somos absolutamente diferentes, nos aspectos psicológicos e biológicos, e devemos sim ter tratamentos desiguais. Como pregava Rui Barbosa, igualdade é tratar desigualmente os desiguais.

É preciso ajustar o foco do que importa. Do contrário, teremos sempre um abismo entre o discurso e a prática. De nada adianta o patrulhamento agressivo e sarcástico de feministas criticando indistintamente os homens ou as mulheres que não se enquadram nos padrões politicamente corretos. Nos classificarem como independentes ou submissas, fortes ou frágeis, espertas ou bobas, rodadas ou recatadas, do bar ou do lar é limitar nossa liberdade.

Nossas ambições e humores mudam, de acordo com os anos e os hormônios. É difícil sentir os efeitos pré-menstruais ou os da menopausa, mas também não é fácil para os homens conviverem com nossa bipolaridade nesses dias. Regra geral, não somos melhores nem piores do que eles, que também têm alterações hormonais e emocionais que não se permitem viver ou discutir.

Os homens estão aprendendo agir de modo diverso do que todos, inclusive suas mães, lhes ensinaram. Eles devem ser incentivados a invadir o universo feminino, ao invés de ouvirem que não têm jeito para cuidar de um bebê, fazer compras de supermercado, opinar na decoração da casa, cozinhar... Novos direitos masculinos, como licença-paternidade ampliada e guarda compartilhada, também podem significar ganhos para mulheres e um caminho de diálogo.

Bem, essa é apenas a minha opinião. Mulheres são diferentes e divergentes na casca e na essência. Somos imperfeitas, com virtudes e defeitos. Nada de heroínas, deusas ou santas. Podemos ser o que quisermos: extrovertidas, sérias, casadas, solteiras, profissionais, donas-de-casa, com ou sem filhos... Não nos encaixarem em rótulos ou nos compararem já é um presente. Para todos os dias.



Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Quando a gente se sabota



Sabotagem não é apenas estratégia de inimigo para prejudicar quem detesta. Longe de planos maquiavélicos, ela pode partir de nós mesmos e ir minando nossa felicidade com atitudes simples e repetitivas, de forma inconsciente ou não.  Começa se apoderando de pequenos momentos - prazeres ou responsabilidades - até invadir a vida inteira. 

Prorrogarmos etapas e relacionamentos vencidos ou a solução de problemas e incômodos, postergando o que podemos fazer hoje para o dia seguinte e depois para o outro e outro. Vivemos, procurando sempre justificativas, uma sucessão de pendências e adiamentos. Adiamos, principalmente, o enfrentamento do trabalho que dá ser feliz. 

Nos sabotamos ao nos recusarmos a enxergar o que está diante de nosso nariz, sobre a vida, os outros e nós. Custamos a entender que a felicidade, tirando momentos afortunados, quase sempre não vem de graça. Vem de querer.  E a gente sabota o nosso querer quando não enfrenta tudo o que é preciso para ter ou fazer o que deseja, seja para não desagradar alguém ou por preguiça ou medo. 

Ah, o medo... Que concorrência desleal!  Ele é nosso maior sabotador, simbolizando um complexo de inferioridade. Enquanto o cultivarmos diante do que está por vir, ele esmagará a nossa força interior, por maior que ela seja. Precisamos parar de ter medo da felicidade, de que algo ruim aconteça, de saber a verdade, do que os outros vão pensar...

Até respeitarmos o que nos faz bem, nos importamos em demasia com os outros e nos violentamos. Permitimos que pessoas nocivas invadam o nosso espaço ou suguem nossa energia com seus problemas, conselhos ou comentários negativos. Dizemos sim querendo dizer não e vice-versa.  Fazemos o que não queremos e deixamos de fazer o que queremos, engolindo a frustração. 

Sabotamos nossos sonhos deixando-os no plano da irrealidade. Não nos atrevemos a colocá-los em prática para evitar decepções, especulando o pior. Assim nunca poderão dizer que deram errado... Ou então iniciamos novas empreitadas, mas desistimos nas primeiras dificuldades. Como se não fôssemos capazes de alcançar o sucesso ou fortes o suficiente para resistir ao fracasso. 

Muitos fogem de seus amores. Outros ignoram as suas vocações. Inúmeros se atrasam para compromissos. A autossabotagem  acontece de várias formas, mas sua origem tem sempre a ver com baixa autoestima e falta de autoconfiança e amor-próprio. Por isso, nos acostumamos a inventar pretextos, arrumar complicações, anestesiar dores e mergulhar em ilusões. 

Somos os responsáveis por sair das armadilhas que criamos, por abrir correntes a que nos prendemos. Um bom começo é enfrentar nossos medos e deixar de cultivar pensamentos e comportamentos tóxicos. Quando eles vierem, temos logo que substituí-los pelos que nos motivem. Ainda que isso assuste e canse no início, ainda que haja recaídas, a confiança e a coragem nos fortalecerão até conseguirmos. Quanto mais deixarmos de nos proteger da infelicidade, mais nos aproximaremos da felicidade. 

 

Imagem: Pixabay

Texto: Nadja Bereicoa

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Precisamos dar tempo ao tempo


O tempo é um grande e sábio amigo, acredite. Tem fama de cruel e implacável, mas o que apenas faz é passar serenamente e nos transformar, se deixarmos para melhor. Com o tempo, quase tudo se aquieta, se resolve, se direciona. Se o tratarmos como um aliado, ele nos aponta as respostas para dilemas e dificuldades.

Se o tempo passa rápido, depende de nós. Às vezes corremos contra o relógio para dar conta do que necessitamos ou queremos, perdendo o foco do prioritário. Quem nunca pensou como o dia poderia ter trinta horas, mal aproveitando seus preciosos minutos?! No fundo, precisamos é desacelerar e dar tempo ao tempo - para que sementes brotem, ressentimentos cessem, feridas curem, ciclos se fechem e portas se abram.

Somente com o tempo a gente passa a respeitar a natureza dos sentimentos e dos dias. Há tempo de se conectar e de se desligar, de sorrir e de chorar, de se esconder ou se mostrar, de agir ou de esperar. Esperar - bem diferente de se acomodar – nos ensina a ter paciência. Disso vem a esperança, essencial para aguardarmos novos tempos.   

Por mais que haja descrença, precisamos lembrar que do breu da noite virá a claridade do dia. Cada amanhecer, faça sol ou chuva, pode nos despertar uma ideia, uma surpresa, um olhar. O milagre do tempo é que ele revolve tudo em nós. No exato momento em que vira passado, o presente dá lugar ao futuro. Somos essa mágica mistura dos tempos.

Mestre inteligente e irônico é o tempo. Nos prega peças e nos dá lições e recompensas, que ficam claras em histórias de vida que se repetem, se invertem, se apequenam, se agigantam ou até recomeçam de onde não deviam ter parado.  Pelos dias, meses e anos o tempo carrega nossas ações, palavras e pensamentos, trazendo-os de volta feito bumerangues nos ventos. 

O tempo leva o viço, mas pode trazer uma beleza maior: a consciência de sermos melhores do que antes. Ele mostra o que nos cai bem – aparência, companhias, atitudes, situações...- e nos afasta do que faz mal. Por experiência e intuição, a gente aprende a não perder tempo com o que não vale a pena, não nos merece. A gente aprende a ter sabedoria para viver e a acertar os ponteiros do tempo.



Texto: Nadja Bereicoa
Imagem: Pixabay




segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

De presente, a felicidade



Em clima de harmonia, paz e alegria, celebrei o último Natal em minha casa pela primeira vez, ao lado de marido, filhos, irmãos, cunhados e sobrinhos.  O aniversário de Cristo foi momento de reflexão, de celebrar o amor e sentimentos dele derivados, como tolerância, união, fraternidade e perdão. Optei por mais simbolismos e menos consumismo e ofereci a todos irreverentes ´kits de felicidade`, junto a um texto que escrevi. Não eram fórmulas, que não existem, mas metáforas.

De modo literal ou literário, oito itens renderam esta crônica natalina: um saco, um fitilho, um bombom, um bloco para anotações, um lápis, uma borracha, um elástico e um chá de camomila. Comecemos pelo bombom, porque doçura é imprescindível na vida e chocolate - já está cientificamente provado - traz alegria. Mesmo que você tenha restrições ao açúcar na sua dieta, pode acrescentá-lo ao seu dia com gentileza, solidariedade, ternura e sorrisos. O mundo, tão amargo, lhe agradecerá.

Quanto ao lápis e ao bloco, minha sugestão é para que você escreva, ainda que para si, sobre o que tem vivido, observado, sofrido. Registre memórias e sentimentos. É uma terapia, perceba aos poucos. Se preferir, deixe fluir uma poesia ou enumere tudo de bom que lhe aconteceu e liste sonhos, ideias e metas, lembrando que muitos não se concretizarão por algum motivo. Foi assim em 2016?! Não se culpe! Culpas são pesos injustos.

Nada melhor do que um ano com páginas em branco para criar ou reescrever capítulos e histórias, com cenários e personagens inéditos, mas nas páginas já preenchidas podemos usar a borracha do perdão para apagar erros do passado, nossos e alheios. Claro que alguns, com tinta indelével, precisam continuar ali, com suas fortes marcas a nos ensinar.  Outros, porém, desaparecerão e uns deixarão fracos vestígios. O importante é apagarmos os ressentimentos. A gente não merece sentir de novo, ressentir, o que doeu.

Momentos ruins servem para ser enfrentados e nos proporcionar crescimento espiritual. O elástico, que se estica, se flexibiliza e volta ao seu estado normal, representa a capacidade de superação, adaptação e resiliência que devemos adquirir diante de problemas, frustrações e divergências que se apresentam. A elasticidade exemplifica também a nossa tolerância com os outros, ainda que discordemos veementemente de seus pontos de vista.

Os seres humanos são diferentes, imperfeitos e surpreendentes, para o bem e o mal, o que torna a vida tão fantástica quanto difícil. Conflitos e crises sempre existirão, mas não serão resolvidos se guerrearmos, e sim se buscarmos o entendimento. Por isso, na hora de ânimos exaltados, pense bem antes de agir para evitar arrependimentos. Respire fundo, conte até dez, beba um chá de camomila e deixe a raiva passar.

Um saco transparente e um fitilho dourado também têm significados poéticos.  A embalagem é onde armazenamos com carinho o que de melhor podemos oferecer aos outros, nossos mais caros presentes. O longo laço representa nosso bem mais valioso: os nossos afetos. Família e amigos ajudaram a construir nossas histórias e lembranças. Eles valem ouro e são para a vida toda.

Meu kit foi uma brincadeira para inspirar. Não existem fórmulas de felicidade, tão cíclica quanto necessidades e desejos que surgem durante a vida. Criamos receitas, que às vezes desandam, não dão certo e nos fazem usar novos ingredientes. O certo é que alguns, como o amor, são indispensáveis. Não podem faltar, feito farinha e fermento em bolo. Precisamos, acima de tudo, de vontade genuína para testar, tentar, errar e acertar, para nos fazer felizes e aos outros também. Felicidade é constante aprendizado e nosso melhor presente.



Texto: Nadja Bereicoa

Imagens: Pixabay