domingo, 29 de novembro de 2015

Agradecer é semear


Celebrei o Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos há três dias, pela primeira vez.  Eu, meu marido e nossos filhos agradecemos a Deus pelo que colhemos no ano que vai terminando, principalmente a saúde e a oportunidade de viver em outro país, nos enriquecendo culturalmente e nos fortalecendo como família. Agradecemos também pelas conquistas materiais, lembrando que são passageiras.  Em tempos de maldade, ganância e miséria, que não temos mais como evitar que assistam no noticiário, ressaltamos às crianças o valor da bondade, da humildade, da generosidade e da gratidão. São elas que criam raízes e dão bons frutos, se as semearmos e cultivarmos.
    Viver é um milagre e uma dádiva dia após dia. O constante agradecimento por tudo de bom que recebemos – em boa parte gerado por nossas ações – é um ritual de amor à vida, a Deus, ao Universo e a todas forças positivas que conspiram a nosso favor. Mais do que pedir, agradecer gera uma energia positiva que nos revigora e nos envolve, multiplicada. Quanto aos pedidos, inevitáveis, melhor que sejam por tranquilidade, amor, coragem, perseverança e fé. É disso que precisamos para nos blindar contra o mal e enfrentar os percalços rumo a nossos objetivos. O que vier agregado será consequência bem-vinda.
      Temos que agradecer quando amanhecemos junto com o dia e, faça sol ou chuva, frio ou calor, um horizonte de possibilidades se descortina para fazermos valer a nossa existência. Que saibamos dar graças pelas dificuldades e sofrimentos que nos fizeram mais sábios e fortes. E que tenhamos gratidão por transformarmos nossos sentimentos e a nós mesmos. Porque podemos brilhar como o sol no verão e resplandecer como as flores na primavera, mas a vida é também desfolhar-se e recolher-se em reflexão sobre o que passou e em preparação para o que nos aguarda e a essência que queremos deixar.
      Os pensamentos e sentimentos que nutrimos e disseminamos voltam para nós. A Lei do Retorno, mais do que a justiça dos homens, alcança indistintamente a todos. O que fazemos, falamos e pensamos nesta vida e até a nossa inércia não se perdem ao vento: caminham pelo Universo, como ondas vibratórias e espirituais. Por momentos, podem somente atingir outras pessoas, construir ou destruir, causando o bem ou o mal, mas não tardarão a voltar como bumerangues para nós. Nesta existência e em outras. Quanto maior o alcance das nossas ações sobre os outros, mais potência terão as energias positivas ou negativas que retornarão.
      Esse fundamento religioso e científico de ação e reação é ignorado pelos que roubam, matam, trapaceiam ou, de alguma forma, prejudicam.  Não raro percebemos como as forças cósmicas se encarregam de um ajuste de contas. É assim que fortunas são arruinadas, famílias destruídas, consciências atormentadas... Não se trata de vingança. O sofrimento traz aprendizado, arrependimento ou, se a alma se negar a evoluir, simplesmente mais sofrimento. São as leis da vida e do tempo que melhor julgam, absolvem ou condenam, além de nossas próprias consciências. Estas falam por si quando as deitamos nos travesseiros.
      Nossas escolhas têm consequências imutáveis, que podem levar à felicidade ou ao infortúnio, à satisfação ou ao descontentamento. Muitas pessoas se sentem como vítimas injustiçadas do mundo e mesmo de Deus, quando na realidade são frutos – às vezes azedos ou amargos, outras deteriorados – do que cultivaram.  Podem ser também a terra seca ou revolvida onde nada sequer plantaram, apesar da promessa de fertilidade. Ao verem sobre si os problemas desmoronando e a estagnação imobilizando, praguejam. Esquecem-se de que suas ações ou omissões, emoções ou gestos, pensamentos ou palavras causaram os efeitos.
     Muitas pessoas fazem aos outros o que não gostariam que fizessem a elas, desprezando um histórico princípio oriental, atribuído ao filósofo chinês Confúcio, também presente em passagens bíblicas e outros códigos religiosos e éticos. Estacionam em locais proibidos e em seguida reclamam se alguém fura a fila a sua frente. Cometem pequenas fraudes para obter vantagens, mas se indignam com a corrupção. São amantes de pessoas casadas e se revoltam quando são traídas. A lista de incoerências é vasta. Mas se quisermos ser tratados com respeito, consideração e amor, a receita é única: agir do mesmo modo.  Essa é a regra de ouro para a reciprocidade nas relações.
     Claro que existem os que sofrem mesmo sem nunca ferirem outros. Talvez estejam na parcela dos que necessitam de provas ou resgates para evoluir espiritualmente. Ou façam mal a si mesmos com baixa autoestima e depressão. Não se amam, não confiam em si e nem se cuidam, sendo vulneráveis às intempéries da alma e do corpo.  Sempre, porém, devemos agradecer a Deus e lhe rogar como na oração do teólogo Rinhold Niebuhr: “Conceda-me, senhor, a serenidade para aceitar o que não posso mudar, a coragem para mudar o que for possível e a sabedoria para saber discernir entre as duas. Vivendo um dia de cada vez, apreciando um momento de cada vez, recebendo as dificuldades como um caminho para a paz.(...)”.  Amém!




Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay

sábado, 21 de novembro de 2015

O planeta em perigo

Hoje minha prosa não é poética. Fala sobre mortes, dor e destruição provocadas pelo homem nas últimas semanas, mundo afora. O sangue jorrado em Paris após bárbaros ataques terroristas na sexta-feira 13 chocou sobremaneira a nós brasileiros, patinando em 62 milhões de metros cúbicos de lama que soterraram a cidade de Mariana, em Minas Gerais, com o rompimento de duas barragens de minérios. Tragédias que têm em comum o desprezo à vida, além de tristeza, indignação e apreensão pelo futuro do planeta, com sucessivos e irreversíveis danos.

Às margens do Rio Sena, o ódio e a intolerância assassinaram 129 pessoas e feriram 352 de forma covarde e distorcida em nome da religião islâmica. No curso do Rio Doce, a irresponsabilidade e a ganância provocaram 11 mortos, 12 desaparecidos, quase mil desabrigados e a maior tragédia ambiental brasileira. De um lado, o alastramento de atentados que podem atingir qualquer país e pôr fim à paz e às liberdades individuais. Do outro, distritos e rios concretados, vegetação e ecossistema aquático dizimados e água potável poluída por metais, causando desabastecimento em vários municípios. Nos dois casos, perdas de vidas insubstituíveis.

Desgraças como essas não podem ser comparadas para saber qual teve mais prejuízos ou dor. Como infelizmente alguns brasileiros fizeram pela internet, transtornados pelos terrorismos diários cometidos no país seja por bandidos armados ou por políticos corruptos. Cada tragédia deve ser lamentada, chorada, punida e servir de exemplo para evitar outras. A competição fomenta o desrespeito às diferenças, cegando-nos para a compreensão de seus contextos geográficos, históricos e culturais e diminuindo nossa capacidade de compaixão.

O vazamento em Minas era iminente. Fruto da falta de manutenção estrutural nas barreiras, expôs o imprudente – e, por isso, criminoso - sistema de exploração do ferro e outros minérios em solo nacional e suas normas de segurança, por  empresas que deveriam agir com extremo rigor num setor estratégico e perigoso.  Eficiente em fiscalizar a arrecadação de brutais impostos sem contrapartida em serviços, o poder público brasileiro foi, como sempre, omisso no dever de inspecionar uma atividade de risco. Assustam as notícias de que existem centenas de barreiras no estado, além de empresas mineradoras financiarem campanhas políticas e de que uma legislação para o setor dorme no Congresso Nacional há três anos. Aterroriza saber que mais diques podem se romper a qualquer momento. 

Pelas perdas materiais (casas, carros, empregos, agriculturas), décadas para minimizar os danos ecológicos e indenizações bilionárias devidas, uns consideram a tragédia de Mariana maior do que a de Paris. O desastre mineiro, que já chegou ao estado de Espírito Santo e desaguará no Oceano Atlântico, aumentará o avançado desequilíbrio ambiental da Terra e ficará como cicatriz entre as montanhas de Minas. Mas são as vidas perdidas que mais importam.

O atentado terrorista em Paris assassinou inocentes e feriu os princípios universais da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade. Todas as nações saem machucadas quando fanáticos cruéis disparam devastadoras armas e bombas contra cidadãos indefesos, simplesmente por achar que eles simbolizam valores e hábitos contrários a sua alegada crença. Nos sentimos ameaçados e vulneráveis com atos bárbaros como esse, que mostram como os braços do terror se espalharam pelo mundo e afetam a segurança e a soberania nacionais. Qualquer país pode ser a próxima vítima.

Viajar deixou de ser prazer e virou risco. Minha irmã e meu cunhado foram testemunhas ilesas do clima de horror em Paris, vivendo momentos de tensão, tristeza e restrições turísticas. Não estavam no lugar e na hora errados, ao contrário das vítimas locais e das 224 que viajavam no avião russo derrubado por uma bomba em 31 de outubro ou das que estavam na África ontem. Horas antes de eu terminar esta crônica, novo atentado de outro grupo terrorista islamita fez 170 reféns e mais de 20 mortos num hotel na cidade de Bamako, em Mali. Tudo isso me faz temer o futuro, principalmente por ter filhos. Que mundo as crianças herdarão?

O ideal de menos fronteiras e mais união tornou-se sonho distante. Os próximos tempos serão de medo e desconfiança. Mas é possível crer na humanidade ao ver a compaixão e a solidariedade de inúmeras pessoas comovidas e solidárias às vítimas. Cidadãos de todo o Brasil se mobilizaram em campanhas de doações em dinheiro, alimentos, água, colchões e roupas, além dos que hospedaram desabrigados em suas casas em Mariana. Em Paris, taxistas levavam vítimas em seus carros sem cobrar e multidões se aglomeraram em vigílias e orações aos mortos.

O planeta está em perigo. Precisamos de medidas ecológicas e de paz coletivas urgentes. Impedir que armas fabricadas no Ocidente cheguem a terroristas e dialogar com muçulmanos para que tentem cessar o ódio de quem não os representa. Modificar o devastador sistema de exploração mineral brasileiro com a participação de ambientalistas, técnicos, líderes comunitários e legisladores. As soluções são difíceis e precisam envolver reflexão, serenidade, união e vontade. Antes que seja tarde.



Texto: Nadja Bereicoa

Fotos: Pixabay

sábado, 7 de novembro de 2015

Mudança, sinônimo de vida


Sair da zona de conforto e mudar, mesmo que para melhor, não é fácil. Implica em arriscar, reconstruir e perder, ainda que algo desgastado. Por acomodação ou medo, fugimos das mudanças que se anunciam em nossos ouvidos, como murmúrios do destino ou de Deus. Se ouvirmos a nossa intuição, às vezes um minuto pode ser um sim a conquistas ou recomeços. O sim para mudanças.

Mudança traz renovação e amadurecimento. É sinônimo de vida, mas é a ideia da finitude que nos impulsiona para ela. À medida que temos menos tempo, precisamos saber aproveitá-lo para sermos felizes, mudando e nos preparando para a maior transformação que virá, espiritual. Sempre podemos mudar. De aparência, comportamento, casa, país... Novos hábitos, experiências, opiniões e amores surgem com as mudanças.

Aos trinta anos, vivi meu primeiro longo ciclo de mudanças.  Perdi minha irmã mais velha, morei sozinha, terminei um relacionamento, me apaixonei de novo e iniciei uma nova trajetória profissional, após onze anos como jornalista. Cursei Direito, estagiei, virei advogada e me decepcionei com a Justiça. Casei, tive dois filhos, focando meu olhar na vida a dois e na maternidade e entrei em crise prestes a completar quarenta anos. Em meio às alegrias, crises e sofrimentos me mudaram, mas muitas vezes precisei brigar contra o costume.

Sem perceber, viramos escravos da rotina porque ela dá segurança. Usamos por décadas um corte de cabelo, nos imaginando com outro visual. Adotamos um cardápio trivial, podendo experimentar receitas. Nos prostramos em frente à TV, quando poderíamos ler ótimos livros. Checamos sem parar os celulares, deixando de nos conectar conosco. Nos acostumamos a não mudar porque o novo nos fascina tanto quanto nos inquieta, assusta.

Mesmo na rotina mudamos se soubermos tolerar e ceder em pequenas atitudes. Quando passamos a não querer discutir e, se isso ocorre, a aceitar que não temos razão ou a abrir mão dela para ter paz. Mudamos ao abandonar comportamentos incômodos, ao abaixar o tom de voz, ao sublimar sentimentos que nos faziam mal. Mudanças podem ser invisíveis em nosso caminhar, mas sempre nos transformam.

Enormes ondas às vezes nos derrubam numa sucessão de caixotes no mar revolto da vida, mas não morremos na praia não.  Levantamos e caímos tanto que perdemos a conta, até nos equilibrarmos e voltarmos a caminhar, cegos pela areia e o sal nos olhos e pernas trôpegas pelos inesperados tombos. Podemos então partir em frangalhos e nos esconder ou ficar, nos recuperarmos do susto e mergulharmos de novo nas ondas, sentindo espraiar-se em nós uma força desconhecida. E ela será a nossa silenciosa e grande mudança.

 


Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay