terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Vestindo a fantasia



     Brincar de ser outra pessoa ou quem no fundo se é, mas não se tem coragem de mostrar. Reinventamos a alegria para celebrar a vida por quatro dias, como se não houvesse amanhã, em meio a confetes, lantejoulas e serpentinas.   Carnaval é alegria e explosão de cores, mas também libertação e ritual de passagem ao que virá de difícil e imprevisível.  Na quarta-feira de cinzas, quando acordamos como de um sonho ou de um pesadelo. 
     Na multidão anônima nos bailes, blocos e desfiles de samba e outros ritmos Brasil afora, gente que espera o ano inteiro - economizando dinheiro e sentimentos - para comemorar conquistas, extravasar frustrações, delirar com o luxo ou se render aos prazeres da carne. Sob máscaras, paetês e purpurinas, as dores se escondem, a pobreza é camuflada, os amores vão e vem. Todos são tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais em sua capacidade de depuração e transformação.           
     O Carnaval é o abre-alas do ano para os brasileiros. Depois de Natal, réveillon e férias, tudo de fato começa quando termina a folia. É hora de botar o carro alegórico na rua e reiniciar  a luta diária pela sobrevivência num país onde o povo tem sido feito de palhaço, no pior dos sentidos. Nosso gingado é diário, traduzido no bom-humor e improviso com que enfrentamos tantas situações adversas.  Nosso jeito de ser é carnavalesco: fazemos tempestade em copo d´água, choramos à toa, douramos a pílula, rodamos a baiana e achamos que recordar é viver.
     Todos temos lembranças de outros carnavais. Matinês inocentes, os primeiros blocos, beijos no salão, um porre homérico... Até a mais absoluta solidão, quando tudo ao redor fervilhava em barulho, êxtase e aglomeração, pode ter tornado um carnaval inesquecível.  Mesmo quando optamos pelo recolhimento é difícil manter-se alheio aos dias de Momo, sem uma espiadela na TV ou nas ruas. Afinal a maior festa popular do mundo é um orgulho nacional, que prova a criatividade, o empreendedorismo e o poder dos brasileiros.
     Nunca fui foliã de primeira, mas ansiava pelos bailinhos quando criança. Segurava avidamente meu saquinho de filó com confetes, que eu jogava ao ritmo de “Allah, meu bom Allah!" e antigas marchinhas. Fui cigana, baiana, marinheira e me fascinava em saber que todos podiam ser quem quisessem naqueles dias. Mais crescida, assistia aos desfiles na TV até o sol raiar ao lado de minha mãe, que gostava de contar como meu pai a cortejava nos bailes em que os rapazes borrifavam inocentes lança-perfumes nas moças. Tempos de Pierrôs, Colombinas e Arlequins.
     O carnaval mudou muito de lá para cá, às vezes desafinando para exibicionismo e excessos, ressacas e arrependimentos. Mas a essência da festa, de celebração da vida, deveria estar presente sempre. Bom seria salpicar sobre os dias um pouco da euforia, da cor e do brilho concentrados num único período do calendário.  Deveríamos nos permitir carnavalizar  mais nossas vidas, com menos culpas e privações. 
     Alegria coletiva confraterniza e revigora. Melhor ainda é quando esse sentimento vem de dentro da gente, sem data marcada, nos fazendo rir e rodopiar sem motivo, até sozinhos. Simplesmente por entendermos que a vida tem sim altos e baixos, sucessos e fracassos, movimentos e quietudes, ensaios e sustos, mas pode ser um enredo (re)criado por nós. Com mais fantasia, beleza e apoteoses. 




Texto: Nadja Bereicoa
Fotos: Pixabay

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