Em homenagem
ao Dia das Crianças, rememoro passagens engraçadas e poéticas protagonizadas
por meus filhos quando bem pequenos. Em poucos anos eles deixarão a infância e certamente gostarão de saber um pouco do que pensavam, se divertindo e se
emocionando. Por isso, enumero algumas
de suas historietas, quase anedotas, em forma de pílulas escritas. É a minha
maneira de encapsular e ingerir o que a infância tem de melhor.
***
Quase, quase adolescente ***
Com cinco
anos e meio a menos que sua extrovertida prima, minha filha sempre viu nela um
referencial. Chegaram a brincar juntas de boneca. Mas com as transformações no
corpo e no comportamento de Luíza, as brincadeiras escassearam. Até Juju estranhar
e perguntar, aos cinco anos:
- Mamãe, o
que é mesmo ser adolescente? A Luíza já é?!
Respondi
que, aos 10 anos, ela era uma pré-adolescente e que depois entraria na
adolescência, que é o período em que a criança vai, aos poucos, se transformando
em adulto, o que terminava por volta dos 18 anos. Júlia ouviu com atenção e balbuciou um “ah,
tá...”. Meses depois me perguntou do nada:
- Mãe, eu
sou pré-pré?
Não
entendi e quis saber “como assim?!!!”.
- Eu quero
saber se eu já sou uma pré-pré-adolescente?!!!
Definitivamente, ela era...
***
Duas figurinhas ***
Gabriel tinha quatro anos e ainda continuava a falar no
fofo ‘bebezês’ que nós pais até corrigimos mas adoramos ouvir. Em um dia,
inspiradíssimo, misturou tantos “Se eu sesse”, “Quando eu tinha fazido”,
“A aula de psicomocicidade” que eu lhe falei
- Filho, você não existe...
Gabriel, que estava aprendendo sobre folclore brasileiro
e seus personagens na pré-escola, questionou-me sério:
- Ué, mamãe, quer dizer que eu sou uma lenda...?!!
Quando ia explicar, sua irmã esclareceu por mim:
- Não,Biel!!! Quer dizer que você é uma figura!!! Mas não
é dessas de colar em álbum que a gente coleciona não, viu?!!! Você é uma figura
rara, dessas que a gente não acha nunca...
***
Abre-te Sésamo ***
Com ares de independência, aos 5 anos de idade, minha
filha comunicou-me radiante:
- Mamãe, já terminei de fazer o trabalhinho de casa!
- Que bom, filha! Então guarde-o na pasta da escola, tá?
Sentada em sua cama, arrumando outras coisas, notei que
ela travava um verdadeiro embate com a pasta sem conseguir abri-la, já nervosa,
suando e emitindo grunhidos do tipo ai, ui, aanhh.... Foi quando intercedi:
- Júlia, você tem que puxar com jeitinho o fecho
‘eclair’...
Em sua lógica de criança, ela reagiu indignada:
- Mas ele não abre, mamãe!!! Só fecha... Aliás, tinha que
se chamar Abre éclair!!!
***
A melhor opção ***
Depois de mais um de seus pitis ensandecidos por nada,
meu filho levou uma bronca de mim e me ameaçou, dando início ao seguinte
diálogo:
- Se você brigar comigo de novo, eu vou chorar!
- Pode chorar, que não ligo. Se você faz coisa feia,
mamãe tem que brigar...
Então, se você brigar comigo, eu vou gritar feito ma-lu-co!
- Aí eu vou ficar triste e aborrecida e te deixar de
castigo, sem brincar de carrinhos...
Então eu vou me soltar da cadeirinha e fugir pra rua!!!
- Nunca faça isso, filho!!! Alguém malvado pode te pegar
e te levar para bem longe e você nunca mais vai ver a mamãe, o papai e sua
irmã!
Gabriel emudeceu um minuto, como se pesasse a situação, para
voltar à primeira opção:
- Se você brigar comigo, então eu vou só chorar...
***
Sonhando acordada ***
Um belo dia, com cinco anos, Júlia passou a adotar
precocemente um hábito típico dos adolescentes: fechar a porta de seu quarto.
Sem pedir licença, pois achava que crianças pequenas não deviam ficar
trancadas, entrei para saber o que estava fazendo e a flagrei deitada na cama maravilhada,
olhando pro teto e rindo. Como se visse algo secreto e surpreendente, talvez
arco-íris, duendes, sabe-se l...
- O que foi
Juju? Tá pensando em quê?, perguntei.
- Estou só
sonhando, mamãe...
- Ué, sonhando
sem dormir?!!
- É que eu
gosto de sonhar acordada...
Deixei-a em
seus sonhos, mas com a porta aberta, pois achava que criança com aquela idade
não devia ficar trancada. Dali por diante passou a ser costume encontrá-la no
quarto com a porta fechada e, ao abrí-la, surpreendê-la andando de um lado a
outro, sentada ou mesmo parada em pé com ar contemplativo. A resposta era
sempre a mesma:
- Tô sonhando, mamãe...
Enquanto isso,
aumentava enormemente a sua criatividade. Já alfabetizada, escrevia e ilustrava
as próprias histórias, fazia dobraduras e outras invenções mirabolantes e muito
coloridas. Engraçado era que produzia suas artes com a porta de seu quarto
aberta. Se esta estivesse fechada, eu já sabia: “Ela está pensando!”. Mesmo
assim, sempre abria a porta. Até ela esbravejar:
- Pôxa, mamãe, assim você acaba com o meu laboratório!!!
Disse-lhe que não tinha entendido...
- O meu laboratório de sonhos, oras!!! Meu quarto é o meu
laboratório de sonhos!!!
Depois disso, passei a respeitar a privacidade de minha
pequena cientista e artista-mirim. Para que ela fizesse muitas experiências em
seus invisíveis tubos de ensaios, misturando lindos sonhos para ver em que iria dar a
realidade...
*** Para sempre criança ***
Assim como a irmã – e suponho a maioria das crianças -,
meu filho teve, aos 8 anos, sua fase de temor em virar adulto. Com nostalgia
antecipada, choramingava que queria brincar e ser pequeno para sempre, tal qual
Peter Pan e os meninos da Terra do Nunca. Pragmático, constatou e decidiu um
dia:
- É muito ruim ser adulto! Tem que trabalhar, pagar
contas, ir ao supermercado, cuidar das crianças, resolver as coisas da casa...
Eu não quero casar! Quero morar com vocês para sempre...
Já aos nove anos e pelo menos dez centímetros maior,
quando deitava em sua cama à noite, me perguntou como e quando as crianças
cresciam, já que ele não conseguia perceber. Simplesmente notava que suas
pernas e braços se alongaram e que seu corpo já era quase do tamanho da sua cama.
Expliquei-lhe que isso acontecia de forma imperceptível,
todos os dias, mas que os médicos dizem que o nosso crescimento – tanto dos ossos
como dos músculos – é maior durante o sono, porque fazemos repouso absoluto.
- Mamãe, eu tenho medo de um dia dormir e acordar adulto!
Tranquilizei Gabriel que isso não aconteceria de um dia
para o outro, mas sim aos pouquinhos e que ele teria muitos anos para
aproveitar como criança. Fiquei ali, deitada a seu lado, sentindo sua
inquietude adormecer e agradecendo pelo tanto que ainda assistiria a sua infância
despertar.
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