Das celebrações religiosas, a Páscoa é, para mim, a de maior sentido de purificação e renovação. Considero-me uma cristã não dogmática, educada nas bases do catolicismo e atenta à doutrina espírita. Acredito em Jesus e seu calvário, mas penso que não devemos cultivar martírios, culpas e penitências. A ressurreição ou a vida de nossas almas após a morte são mistérios em que podemos crer ou não. Teologia à parte, o simbolismo da Páscoa inspira reflexão.
Páscoa em hebraico significa passagem, algo que fazemos cotidianamente mesmo sem perceber. Nossos renascimentos se dão a partir de rupturas, desfechos e ciclos que vivemos. Estamos sempre passando entre estados de espíritos, lugares, pessoas, momentos... Como partículas que se agregam ou se afastam, o tempo se condensa eterno ou evapora efêmero em nós, que decidimos o que dele iremos filtrar e guardar.
Esta Páscoa teve um sentido especial de vida para mim, já que na anterior
vivi o luto pela passagem de meu pai. Agora percebo meus filhos crescendo,
consolidando suas personalidades e se despedindo da infância. Os rastros dela ainda
se espalham pelos quartos, nos brinquedos e jogos preferidos aguardando o
desapego. As covinhas em suas mãos estão sumindo, seus frágeis corpos prenunciam
a puberdade, suas vozes oscilam timbres e dúvidas. Logo trilharão seus outros
caminhos, na passagem pela adolescência.
Comemoro suas mudanças psicológicas – os dentes ainda em troca, já sem
esperarem sob os travesseiros por fadas -, aproveitando seus momentos de
inocência e desejando que perdurem. Nesta Páscoa, me pediram explicações
religiosas e que eu escondesse ovinhos de plástico com chocolates pela casa. Aos
poucos eles seguem descobrindo a realidade - as doces mentiras e as amargas
verdades. Enquanto os oriento para que se protejam de perigos e saibam encarar
o medo (pois nisso reside a coragem), lhes ensino a mergulhar nos sonhos. Como
os dos livros que lemos juntos.
Crescer, literalmente, dói. Meus filhos têm reclamado, como eu fazia à
minha mãe, que sentem dores nas pernas. Como ela, lhes digo que é dor de
crescimento dos ossos, que se alongam. Ainda não lhes contei o que aprendi sozinha:
que a alma fica bem mais dolorida quando se é adulto. Estica, esgarça, com
tantos sentimentos. Quando eles me dizem em sua nostalgia infantil que
preferiam continuar crianças – tal Peter Pan e os meninos da Terra do Nunca -,
eu enalteço a passagem do tempo como um milagre e motivo de conquistas, mas torço
para que levem com eles o melhor da infância.
Por eles terem crescido vários centímetros, pudemos há dias vivenciar uma
inédita aventura radical: despencar das montanhas-russas da Disney. Com tremor
nas pernas e o coração disparando, acompanhá-los junto com o pai em quedas de
mais de trinta metros e loopings. Quando pensava em desistir, respirava fundo,
fechava os olhos, segurava nas mãos deles e ia... Minutos de adrenalina e
diversão, repetidos seis vezes, nos proporcionaram lembranças que ficarão para
sempre, como uma endorfina de felicidade. Fiquei orgulhosa de conseguir dominar
meu medo, passar por ele, e me permitir viver isso ao lado de meus filhos.
Continuaria falando sobre a infância e os momentos de alegria fugazes que
se tornam perenes. Mas a tristeza alterou o rumo destas linhas. Quando terminava
esta crônica ontem, ouvi a notícia sobre mais um ataque terrorista, dessa vez
no Paquistão, com 72 vítimas fatais e centenas de feridos, dentre elas dezenas
de crianças e adolescentes. Eram famílias que celebravam a Páscoa justamente num
parque de diversão e foram destruídas pelo sofrimento. Nesse cruel paradoxo,
tudo parece perder o sentido...
O
domingo sangrento aumentou a importância de ressignificar a Páscoa e a vida.
Diante do ódio e da intolerância, a importância do amor e do respeito às diferenças sobressai ainda mais. Podemos nos chocar e chorar, mas com fé e esperança para seguir.
Somos o resultado de nossas experiências e emoções e isto deve incluir não
desistir de acreditar, apesar das provações e de toda a dor. Senão,
morremos em vida, sem chance de renascer.
Texto: Nadja Bereicoa
Foto: Pixabay